Dificuldades encontradas e a demora de municípios em cadastrar os dados de vacinação de crianças de 5 a 11 anos nas bases dos governos estaduais e do Ministério da Saúde geram lacunas no processo em marcha nos estados e provocam dúvidas sobre a real dimensão da vacinação desse público.
Dados do Ministério da Saúde apontam que 287 cidades brasileiras ainda não começaram a vacinação infantil, segundo levantamento feito pela Folha. Dos 21 estados que aparecem nessa situação, no entanto, 13 afirmam que todos seus municípios já deram início à aplicação das doses.
Minas Gerais e Bahia não confirmaram se todas as cidades deram a largada na campanha. Nos dois estados, as bases de dados próprias registram cidades sem nenhuma aplicação em crianças.
Alagoas, Mato Grosso, Piauí, Rondônia, Santa Catarina e Sergipe possuem municípios que não iniciaram a vacinação, segundo os dados do Ministério da Saúde. No entanto, os estados não responderam aos questionamentos da reportagem.
Carlos Lula, presidente do Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde), afirma que, até semana passada, era uma realidade que municípios ainda não tivessem começado a imunização. Ele avalia, entretanto, que nos últimos dias esse quadro pode ter evoluído e o que hoje ocorre é a subnotificação.
Ele explica que, em algumas regiões, principalmente no Norte e no Nordeste, é difícil o acesso ao prontuário eletrônico e tudo fica registrado no papel antes de ser lançado na base de dados.
"Eu vou fazer um mutirão para pegar as fichas dos municípios e cadastrar. Eu tenho em torno de 500 mil fichas sem digitar, 500 mil doses a menos no sistema só no Maranhão", disse em relação à vacinação da população de uma forma geral e não apenas crianças.
A vacinação infantil no Brasil começou no dia 14 de janeiro. Quase um mês depois, é possível detectar vários problemas no cadastramento desses dados segundo informações repassadas por municípios e estados.
Há cidades que começaram a imunização na última semana e ainda não cadastraram os dados no sistema. Há municípios que só cadastraram os dados na base do governo estadual e não na do Ministério da Saúde. O contrário também ocorre.
Em outros casos há diferença no número de doses aplicadas que estão cadastradas nos estados e no site do ministério.
Alguns estados possuem sistemas próprios e outros utilizam só o do Ministério da Saúde. Na Bahia, por exemplo, os municípios precisam alimentar o SI-PNI do Ministério da Saúde e o BI da Sesab, que é um sistema do estado. Em Minas Gerais também há um formulário próprio.
Em Bom Jesus do Amparo, em Minas Gerais, segundo dados do Ministério da Saúde, houve a aplicação de 206 doses das vacinas até sexta-feira (11). Já no site do governo de Minas Gerais não consta nenhuma dose.
Coordenadora dos postos de Bom Jesus do Amparo, Bianca Giovana Almeida Dias disse que o município já utilizou 385 doses. Na cidade, quem aplica a vacina coloca os dados em uma planilha e só depois eles são lançados.
"Não atualizo diariamente [o sistema], não tem uma data específica. Geralmente faço uma vez por semana", disse Bianca, que não explicou o motivo para as informações não constarem no sistema do governo estadual.
Há também cidades como Xique-Xique (BA), Campo Alegre de Lourdes (BA), Caraí (MG) e Virgínia (MG), que estão na base da Saúde com a vacinação infantil zerada, mas aparecem com doses aplicadas no site do governo estadual.
Alguns estados alegam que em razão do ataque hacker ocorrido nos sistemas do Ministério da Saúde somado à instabilidade dos próprios sistemas federais têm prejudicado o processo de cadastro desses dados.
Alessandro Chagas, assessor técnico do Conasems (Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde), disse que a fragilidade do sistema para cadastro dos dados é histórica.
Ele explica que os dados da Covid são individualizados, possuem nome e sobrenome da pessoa, isso demanda tempo e internet de qualidade. No entanto, os municípios muitas vezes precisam lidar com sistemas inoperantes, que desconectam com facilidade.
"Se a União não prover a internet em determinadas regiões não tem como os dados serem cadastrados de forma rápida. Não saber exatamente quantas pessoas estão vacinadas impacta nas estratégias a serem adotadas", destacou Chagas.
Na avaliação dele, dificilmente deve haver algum município que de fato não tenha aplicado nenhuma dose da vacina infantil.
Diego Xavier, pesquisador do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde da Fiocruz, acrescentou que as realidades são diferentes e muitos municípios não possuem capacidade técnica, infraestrutura, internet e até computador. Há casos em que os responsáveis pelo cadastramento precisam ir a cidades vizinha s para realizar a tarefa.
Xavier acrescentou que os problemas com as bases de dados se tornaram visíveis na pandemia do novo coronavírus, mas são antigos.
"Um outro problema com os dados da Covid é que houve a tentativa de fazer o registro diretamente do município para o Ministério da Saúde. Com outros dados os municípios passam os dados para os estados, que conseguiam corrigir alguma coisa antes de encaminhar para o governo federal", explicou.
O Ministério da Saúde, em nota, informou que a pasta implementou um sistema para o registro das vacinas pelos estados, municípios e o DF, o SI-PNI, com o intuito de obter as notificações quase que em tempo real. O ministério esclareceu ainda que foi publicada uma portaria que determina o prazo de 48 horas para que os entes registrem no sistema as vacinas aplicadas.
Em São José do Divino, em Minas Gerais, a vacinação teve início na sexta. A estratégia da cidade foi guardar as doses que chegaram desde o mês passado para que pudesse acumular um quantitativo razoável antes de iniciar a aplicação.
"Chegaram pouquíssimas doses e, como a população não estava muito ansiosa, a enfermeira responsável guardou para aplicar de uma vez em um público maior. A demanda agora está bem grande", disse a secretária de Saúde, Valdineia da Silva Boaventura.
No município de São João do Pacuí, em Minas Gerais, a vacinação começou na terça (8). As doses também não foram lançadas no sistema de saúde.
"As doses são lançadas em um caderno onde possui informações do vacinado e, posteriormente, são registradas no sistema [SI-PNI]. As doses serão lançadas também no Painel de Vacinação Covid-19", disse Catherine Lafetá, coordenadora da Vigilância em Saúde.