BRASÍLIA - Os candidatos à Presidência da República Luiz Inácio Lula da Silva e Ciro Gomes têm repetido, em diversas declarações, que reverteriam a privatização da Eletrobras, caso sejam eleitos presidente em outubro. Contrários à ideia de perder o controle da estatal, eles já afirmaram que retomariam a companhia, para mantê-la sob o comando do governo. Mas isso é, na prática, possível?
Economistas ouvidos pela reportagem afirmam que, para além do discurso político, se trata de uma operação praticamente inviável. Um conjunto de fatos explica por que essa transação não teria sucesso.
Hoje, a participação da União na Eletrobras é de 72%. Os demais 28% estão pulverizados em ações no mercado, já que a companhia é uma empresa de capital aberto na Bolsa. O modelo de privatização escolhido pelo governo foi o de venda de suas ações ao mercado, reduzindo sua fatia atual para 45%, ou seja, tornando-se um sócio minoritário.
Caso um novo governo decidisse retomar o comando da Eletrobras, o caminho para isso seria, portanto, fazer uma oferta para recompra de ações. Acontece que não se trata de uma transação simples, porque envolveria um alto custo não apenas político, mas também financeiro.
Consequências políticas
Do lado político, a atitude de recompra de ações pelo governo seria vista no mercado financeiro como uma ação de extrema fragilidade jurídica e regulatória. A consequência disso seria afastar investidores não apenas da Eletrobras, mas de outros possíveis investimentos, uma vez que estaria demonstrado que o País não tem segurança normativa sobre decisões tomadas, principalmente em negócios de grande vulto, como a Eletrobras.
“Reverter a privatização teria um custo enorme ao País, mostraria que não há segurança jurídica ou regulatória. Esse processo é irreversível. Lula é uma pessoa pragmática e, caso vença, não vai fazer isso. A chance é zero”, avalia Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (Cbie).
A tentativa de reestatização esbarraria ainda em fortes dificuldades para justificar o ato político. Em tempos de falta de recursos para bancar investimentos básicos em áreas como saúde, educação, segurança e infraestrutura, o governo não teria como justificar por que decidiu usar bilhões em dinheiro do cidadão para recomprar ações de uma empresa já pulverizada em Bolsa, enquanto o País necessita de recursos em áreas básicas e urgentes.
“É preciso destacar ainda que seria necessário, do ponto de vista legal, editar um projeto de lei e enviá-lo ao Congresso, para ter autorização dos parlamentares para que a União pudesse fazer esse movimento”, diz Marcelo Godke, advogado especialista em Direito empresarial, societário e mercado de capitais. “Eu tenho zero dúvida de que isso tudo não passa de discurso de campanha.”