A Europa enfrenta uma das piores ondas de calor da história do continente. Temperaturas elevadas, incêndios e mortes são marcas do verão mais quente de todos os tempos na região. Esses são sintomas de mudanças climáticas extremas, que também podem ser sentidas na América do Sul e, mais especificamente, no Brasil, com altas temperaturas acompanhadas por tempestades registradas no Nordeste.
Os números nos termômetros europeus são recordes. Na última terça-feira, o Reino Unido passou, pela primeira vez, dos 40ºC. O calorão, digno do verão carioca, foi registrado na cidade de Coningsby, no leste do país. Para os meteorologistas, as mudanças na dinâmica da atmosfera presenciadas na Europa e no Nordeste brasileiro, não são simples coincidências.
Marcelo Seluchi, coordenador-geral no Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (CEMADEN), explica que o cenário climático no Brasil e no continente europeu têm um denominador comum. "A ligação do Brasil com o calor da Europa é bem direta. São diferentes sintomas da mesma doença: o aquecimento global. No caso da Europa, isso se traduziu no aumento da temperatura do ar. Nas chuvas do Nordeste, foi o aumento da temperatura do oceano, e, por consequência, a temperatura do ar. São dois aspectos do mesmo problema", esclarece o especialista.
Enquanto o velho continente vive um calor anormal, o nordeste brasileiro enfrenta chuvas que já causaram alagamentos em cidades de Pernambuco, Alagoas e Rio Grande do Norte. Desde 1º de julho, mais de 73 mil pessoas ficaram desalojadas e desabrigadas em razão dos temporais nesses estados. O maior índice pluviométrico registrado em julho foi em Itamaracá, na Região Metropolitana do Recife. No total, foram 232,3mm. Em 2019, o estado alcançou um índice de 86,2mm no mesmo período. Quase um terço do registrado em um único município.
Desastres climáticos
Com o aumento das chuvas e da temperatura, sobe o risco de fenômenos atípicos, como as tragédias que assolaram a Bahia, no final de 2021, e Petrópolis, em fevereiro deste ano. De acordo com o levantamento da Confederação Nacional de Municípios (CNM), o número de mortes por chuvas no Brasil em 2022 já supera o de todo o ano passado. Até maio, 457 pessoas perderam a vida por causa dos desastres causados pelas chuvas no país. Nos casos mais recentes do Nordeste, foram confirmadas seis mortes.
A explicação é que os sistemas meteorológicos da atmosfera que normalmente funcionam mandando ventos quentes para os pólos, enquanto ventos frios seguem em direção à linha do Equador, agora se encontram mais intensos. O resultado são ondas de frio, tempestades e ventos mais fortes. Seluchi ainda explica que o acontecimento decorre não apenas durante o fenômeno conhecido como La Niña — que consiste na diminuição da temperatura da superfície das águas do Oceano Pacífico Tropical Central e Oriental. "Com o aquecimento do oceano esse cenário se torna mais frequente."
Em 2021, fenômenos causados pelas mudanças drásticas no clima também chamaram atenção dos brasileiros. No interior paulista, tempestades de areia tomaram conta de cidades como Franca e Ribeirão Preto. No Norte, o Rio Negro registrou sua maior cheia, causando inundação de cidades e de comunidades ribeirinhas. Em capitais do Sudeste, o dia virou noite, no fenômeno provocado pela fumaça, fruto das queimadas na Amazônia. Mesmo a milhares de quilômetros, os moradores da maior e mais rica cidade do país sentiram os efeitos da devastação da maior floresta tropical do mundo.
Em 2021, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) mostrou que a região do semiárido brasileiro também tem sofrido efeitos drásticos das mudanças no clima. O relatório aponta que parte do Nordeste e do norte de Minas Gerais têm enfrentado secas mais intensas e temperaturas mais elevadas que o normal. O que tende a piorar, segundo especialistas.
Mais mudanças
Estudos apontam que as previsões para o futuro não são muito otimistas. A ocorrência de dias muito quentes ou muito frios deve se intensificar com o passar dos anos. Para limitar o grau do aquecimento, é preciso que os países reduzam drasticamente as emissões de gases causadores do efeito estufa.
O professor de física Alexandre Araújo Costa, da Universidade Federal do Ceará (UFC), explica que esse tipo de evento ficará mais intenso a cada décimo de grau que o planeta aquecer. Ele também lembra que o aumento de calor médio no planeta era algo extremamente raro e acontecia a cada 50 anos.
"A tendência realmente é piorar porque, mesmo no melhor cenário, que é um um limite superior de um grau e meio de aquecimento, esse tipo de calor vai ficar quase nove vezes mais frequente do que no período pré-industrial. E, ocorrendo também em um patamar 2ºC acima, são ondas de calor mais perigosas, mais mortais, com mais possibilidade de causar impacto na saúde humana e nos ecossistemas", explica o professor.
Ações governamentais
Para Alexandre, as políticas públicas do governo federal não são suficientes para combater os efeitos das mudanças climáticas. Pelo contrário, o professor aponta para um retrocesso no combate ao aquecimento global, intensificado com o desmatamento, que em 2021, registrou o maior aumento desde 2006.
"O Brasil tem marchado na contramão desse processo. É algo que se agravou profundamente no governo atual, mas é óbvio que o aquecimento global é um processo que é resultado cumulativo das emissões globais, historicamente combinando emissões de queima de combustíveis fósseis com emissão de desmatamento", reflete.
Na visão do coordenador do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), Marcelo Seluchi, os problemas são globais e o mundo inteiro deve se preparar para os extremos. "Uma das grandes ações que o planeta precisa discutir e enfrentar é o das emissões de gases do efeito estufa. E a outra grande questão é a adaptação. Porque esses extremos já estão ocorrendo e a onda de calor na Europa é a prova disso", diz.
No entanto, as políticas públicas necessitam da cooperação de toda a sociedade, como afirma Seluchi. "Não é suficiente apontar o dedo para um governo. Eu acho que nós, simples cidadãos, temos, sim, uma parcela de responsabilidade", afirma.
"Nós também temos que fazer a nossa parte, de tentar, pelo menos, nunca desperdiçar recursos. Não desperdiçar comida, água, eletricidade. Tudo isso é um compromisso de todo o mundo que deveria ser feito. Os países têm que fazer a sua parte, mas nós, simples cidadãos, temos a nossa responsabilidade e o nosso dever de casa", completa Seluchi.