A ex-prefeita Marta Suplicy participa de evento de filiação nesta sexta-feira (2) ao PT, partido ao qual retorna após nove anos a convite do presidente Lula (PT) para ser vice de Guilherme Boulos (PSOL) na eleição para a Prefeitura de São Paulo. A volta dela à legenda reúne líderes e militantes do partido na Casa de Portugal, na região central, em evento com tom de festa e superação de divergências e mágoas.
A ideia da reaproximação com Marta, antecipada pela Folha em novembro, evidenciou a prioridade dada por Lula para a eleição paulistana, que pela primeira vez não terá um candidato do PT. O objetivo maior é evitar uma vitória do campo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que apoia Ricardo Nunes (MDB).
O ato reuniu, além de Marta, Lula e Boulos, figuras de destaque do PT como a presidente nacional da sigla, Gleisi Hoffmann, e o ministro Fernando Haddad (Fazenda) —a quem a ex-prefeita já se referiu como “o pior prefeito que São Paulo já teve”—, além de Janja, outros três ministros e uma série de parlamentares e dirigentes.
A atuação de Lula na costura ajudou a desfazer resistências, mas alas mais à esquerda na sigla ainda contestam o retorno de Marta.
Lula, Marta, Boulos e Gleisi usaram camisa branca.
Boulos discursou atacando o autoritarismo e a extrema direita de Bolsonaro, além de apontar “completo descaso do poder público” ao falar de Nunes. “Estão construindo a frente do autoritarismo lá. Do lado de cá estão os que querem democracia na cidade de São Paulo.”
“Bruno Covas [PSDB] não foi com Bolsonaro e foi atacado pelo bolsonarismo [na eleição de 2020]. Nunes abraçou o bolsonarismo, traindo o legado de quem ele foi vice. Nosso desafio em São Paulo é construir uma frente ampla pela democracia”, disse.
“Pelo que eu vi hoje [sexta] lá em Santos, se bobear o Lula traz até o Tarcísio [de Freitas] para essa frente”, disse Boulos, em referência às risadas que o presidente arrancou do governador paulista, aliado de Bolsonaro, durante cerimônia de anúncio da construção do túnel entre Santos e Guarujá.
Boulos afirmou que o legado de Nunes é “deixar a cidade numa crise de segurança como nunca vista” e pregou que “imóvel abandonado na região central tem que ser desapropriado para fazer moradia popular”.
Por fim, ele comentou o que chamou de “intrigas” sobre a volta de Marta, mencionando os comentários sobre críticas do passado.
“Teve gente que achou que a minha dobradinha com a Marta ia criar problema. Um pensa diferente do outro, mas o que a gente quer é unidade. E unidade não se faz entre iguais, mas entre diferentes. Para aqueles que acharam que a gente não ia se entrosar, a gente vai fazer a dupla dinâmica para mudar a cidade de São Paulo.”
Haddad relacionou as gestões progressistas a iniciativas como CEUs, hospitais, corredores de ônibus, praças com wi-fi e Carnaval de rua. Ele se referiu a Boulos como “jovem talento” e “um patrimônio de todos nós”. “É um luxo para a cidade poder enfrentar essa eleição com uma chapa dessa qualidade”, discursou o ministro.
Gleisi afirmou que a eleição de São Paulo é a mais importante do país e que a cidade precisa “se reencontrar com uma gestão progressista e popular”. “Ganhar São Paulo é ganhar o Brasil”, disse.
Para a presidente do PT, a chapa Marta-Boulos é a “união da luta, da combatividade e da experiência”. “Seja bem-vinda, Marta Suplicy, ao PT, seu partido”, completou.
No seu discurso, Gleisi listou marcas da gestão Marta. “Você volta num momento muito importante, junto com Boulos”, disse ela, citando o combate à extrema direita na capital e no país e afirmando que “essa gente não pode voltar”, em alusão a Bolsonaro.
Parlamentares do PT, de São Paulo e de outros estados, e dirigentes de partidos aliados, como PSOL, Rede e PDT, participaram do evento. O tom geral das falas era de entusiasmo, com a avaliação de que a chapa se fortalece com Marta e que o PT retoma o protagonismo em uma eleição crucial para o partido e a esquerda.
O deputado estadual Eduardo Suplicy (PT-SP), que é ex-marido de Marta e defendeu prévias para a escolha da vice, compareceu ao ato, após ter conversado com ela e recuado na oposição interna. Ele foi recebido por Lula nesta semana e obteve avanço nas articulações pela renda mínima no país, sua principal pauta.
Suplicy ainda cantou para o público antes do início do evento —escolheu “Eu Sei que Vou te Amar” e seu clássico “Blowin In The Wind”.
Já a ex-prefeita e deputada Luiza Erundina (PSOL), que já criticou Marta, não foi ao evento.
A Casa de Portugal ficou lotada, e houve tumulto para a entrada do público e também no acesso de autoridades à área próxima do palco. Organizadores estimaram que 2.000 pessoas acompanharam o ato e outras 3.000 ficaram para fora. O evento atrasou uma hora e meia.
Parte do público segurava cartazes de acolhida a Marta.
O diretório municipal do PT decidiu no mês passado dar aval ao regresso de Marta, em votação com 12 votos favoráveis, um contrário, uma abstenção e duas ausências. A oposição está concentrada nas correntes internas chamadas O Trabalho e Articulação de Esquerda.
Na última quarta-feira (31), o historiador Valter Pomar, líder da tendência Articulação de Esquerda, reiterou sua discordância e disse que insistirá na tentativa de fazer o diretório nacional do partido barrar a filiação. “Dia 2 Marta se filiará ao PT. Dia 3 reapresentarei o pedido de impugnação”, afirmou em seu blog. A avaliação nos bastidores é que dificilmente haverá reviravolta.
Marta fez carreira no PT ao longo de 33 anos e saiu em 2015 com críticas ao partido. Migrou para o MDB, votou como senadora pelo impeachment de Dilma Rousseff (PT) e se tornou desafeto para o petismo. Decidiu, porém, deixar a gestão de Nunes, onde era secretária, para se juntar ao rival do atual prefeito na disputa eleitoral. Ela estava sem filiação desde 2020, após rápida passagem pelo Solidariedade.
Eleita prefeita em 2000 pelo PT, Marta acabou sendo derrotada por José Serra (PSDB) na tentativa de se reeleger. Disputou o comando da capital paulista outras duas vezes, em 2008 e 2016, mas não conseguiu voltar ao posto.
Marta foi ministra do Turismo no segundo mandato de Lula na Presidência, se elegeu para o Senado em 2010 e foi ministra da Cultura do primeiro mandato de Dilma, antes de romper com o PT. Ela chegou à Secretaria Municipal de Relações Internacionais depois de se engajar em 2020 na campanha de Bruno Covas (PSDB), que derrotou Boulos naquele ano.
A ex-prefeita se reaproximou de Lula e do PT a partir de 2019 e, na campanha de 2022 chegou a ser cogitada para a vice do na chapa presidencial do petista, antes da bem-sucedida articulação com Geraldo Alckmin (PSB). No segundo turno, atuou para consumação do apoio de Simone Tebet (MDB) a Lula.